Certo dia resolvi dar ouvidos aos conselhos de um amigo um tanto quanto íntimo. Tivemos uma conversa séria há cerca de aproximadamente dois meses atrás a respeito de Mr Mojo. Ele teve a absoluta convicção que se tratava-se de uma paranóia, talvez até o início de uma “muito provável” como disse ele, esquizofrenia. Poderia ser efeito do stress ou da minha fixação pelo Blues que segundo ele estava se tornando uma espécie de transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), como chamam os especialistas. Talvez eu estivesse estudando demasiadamente.
- Por mais que estude tanto assim, não vai conseguir chegar ao nível de um B.B King, Eric Clapton ou Jimi Hendrix! Disse ele.
Mas a verdade é que minha pretensão não é tão megalomaníaca assim. Apenas quero atingir o nível no qual acredito que posso chegar, até onde o meu “talento”, ou melhor dizendo, esforço permita. Além do mais tenho que aproveitar o máximo minhas horas vagas, uma vez que o trabalho me suga tanto tempo.
- Procure sair mais, você não tem aparecido em nenhuma das festas que organizamos, talvez seja isso que esteja faltando, passa o tempo todo trancado no quarto digitando escalas, praticando Riffs, passa mais tempo com sua guitarra que com sua mulher. Esse foi um dos argumentos apontados por ele naquele dia.
Mas não posso ser louco, desempenho minhas atividades normalmente, e não cometo nenhum ato que possa ser considerado insano, as visões que tenho de Mr Mojo ocorrem na maioria das vezes quando estou só. Mas para ter certeza da minha sanidade mental procurei um psiquiatra. Após ter marcado a consulta a uns quinze dias atrás, lá estava eu esperando a minha vez de consultar. Entrei no consultório e logo fui dizendo:
- Doutor, não sou nenhum maluco, por isso não tente me internar, estou aqui apenas para tirar algumas dúvidas.
- Calma rapaz, nem todo mundo que procura a ajuda de um psiquiatra é maluco. Além do mais existem vários tipos de neuroses e psicoses, mas se está aqui é por que alguma coisa está lhe incomodando. Vamos lá, tenha calma e me diga o que está acontecendo.
- Tenho tido visões doutor.
- Que tipo de visões?
- Vejo um negro, magro e alto, vestindo sempre a mesma roupa, calças sociais, terno e gravata, óculos escuros e um chapéu que cobre a cabeça e parte da testa.
- Você chega a falar com ele?
- Sim, às vezes ficamos dialogando por longas horas. O estranho é que ele aparece quase sempre quando estou só.
- Qual é o tema da conversa?
- Blues, sempre falamos sobre Blues.
- Você tem alguma ligação com blues?
- Sim, gosto muito de ouvir e tocar Blues.
- Você é músico.
- Sim , apenas nas horas vagas.
- E quem é esse sujeito que você afirma manter contato?
- Sei apenas que se chama Mr Mojo?
- E como sabe o nome dele?
- Ele me contou. Mas o mais estranho é que ele sabe tudo sobre mim, parece que lê meus pensamentos.
- Bom, pelo que me falou, parece uma espécie de transtorno que não deve ser ignorado. Mas diga, tem tido essas visões frequentemente?
- Não, às vezes se passam dois ou três meses sem que nada aconteça.
-Entendo. O que podemos fazer é sessões de análise, irei lhe receitar um antidepressivo que irá ajudar a aliviar os sintomas, se o caso não apresentar melhoras, aí partiremos para um tratamento mais eficaz.
- Quer dizer que estou sofrendo de esquizofrenia ou algo parecido?!
- Não, ainda é cedo para tal diagnóstico. O que você deve fazer agora é manter-se calmo, e fazer o tratamento que lhe indiquei, apenas isso. Sabe meu jovem, às vezes vivemos numa espécie de teatro, representamos ser aquilo que não sentimos ser, e o que sentirmos ser, ou o que gostaríamos de ser na verdade, passa a ficar reprimido no nosso subconsciente. Talvez Mr Mojo seja você mesmo, ou o que você gostaria de ser na verdade. Entendeu?
- Acho que sim.
Retornei para casa, fui até a farmácia comprei os medicamentos e marquei as primeiras sessões de análise. Na noite anterior a primeira sessão tive um sono perturbado por pesadelos dos mais diversos, negros escravos em meio á uma plantação de algodão tocavam gaitas de boca e banjo, depois Bluesmans se apresentavam nas ruas de uma cidade desconhecida ou em bares, negros cegos tocavam violão com grande facilidade em casas com mesas de jogos e repletas de prostitutas, onde o Wiskey rolava solto. E lá estava eu no meio de toda aquela confusão juntamente com Mr Mojo, que deslizava o gargalo de um copo sobre as cordas da sua guitarra provocando um som estratosférico. Acordei assustado e suando em bagas, quando abri os olhos eis que me deparo com a figura que me atormenta.
-Calma meu jovem, não precisa entrar em pânico.
- O que quer desta vez? Interroguei.
- Então está tentando me exorcizar!? Disse com um riso de sarcasmo.
- Você é apenas uma alucinação, que dentro em pouco desaparecerá da minha vida para sempre.
- Tanto melhor se fosse verdade. Respondeu.
- Há tempos eu vago perdido atormentando meus pupilos, mas não é essa minha intenção, estou condenado á isso, não tenho culpa. Acendeu um cigarro, deu uma profunda tragada, soltou uma nuvem de fumaça e continuou:
- Desde aquela primeira vez, quando em uma encruzilhada, afinei o violão de um jovem e ele se tornou um astro, não tenho mais paz e o pobre rapaz viveu o resto de sua vida atormentado.
- Você é o demônio?! Exclamei.
- Não meu jovem, sou a essência que aprisiona e torna alguns homens escravos do Blues.
- Comigo você não conseguirá! Afirmei
- E nem pretendo, desta vez será diferente.
- Diferente como?
- Você descobrirá com o tempo. Continuou a fumar e por alguns minutos permaneceu calado, mas logo rompeu o silencio:
- Quer que eu afine sua guitarra meu jovem?
- Não, já está afinada, além do mais, hoje possuímos afinadores elétricos.
- Melhor assim.
- Então lhe vejo novamente no Divâ do seu analista.
- Lá você desaparecerá! Afirmei com veemência.
- É o que veremos. Abriu a porta do quarto e saiu a passos largos e lentos. Mais que de pressa levantei-me e corri atrás, mas nada, já havia sumido. Restava apenas o cheiro e a fumaça do seu cigarro que vagarosamente se dissipava no ar.